Artigo: Cotas de gênero precisam ser aperfeiçoadas para garantir uma democracia mais inclusiva

cota de gênero

As cotas de gênero na política brasileira têm como objetivo aumentar a representatividade feminina nos cargos políticos, combatendo a discriminação histórica contra mulheres nesse setor da sociedade. Elas foram uma resposta às dificuldades enfrentadas pelas mulheres para acessar os espaços de poder, contribuindo para uma maior diversidade e equidade na tomada de decisões políticas no país.

A temática sobre as cotas de gênero foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei nº 9.100/95, sendo aplicada pela primeira vez nas Eleições Municipais de 1996. Nesse contexto, a legislação passou a exigir que 20% das vagas dos cargos proporcionais (vereador, deputado estadual e federal), lançadas pelo partido ou coligação, existente na época, na eleição fossem preenchidas por candidatas mulheres.  Apesar dessa iniciativa, o sistema de cotas de gênero só foi consolidado por meio da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), que passou a fazer exigências de forma mais específicas e sancionar o descumprimento.

Inicialmente, a interpretação concedida ao §3º, do art. 10, da Lei 9.504/97 era no sentido de que os partidos deveriam resguardar as vagas para as candidatas mulheres, o que indiretamente esvaziava o texto de lei, já que os partidos acabavam sem preencher as vagas destinadas às candidaturas femininas.

A ausência de efetividade da norma, levou a outra alteração na Lei das Eleições em 2009, desse modo, o texto legal foi modificado para substituir a expressão “deverá reservar” pela locução “preencherá” com vistas de criar a obrigatoriedade por parte das agremiações de preencher os 30% das vagas com candidaturas femininas.

Outro aspecto que merece destaque foi a interpretação dada a palavra “sexo”, contida no trecho da lei que determinava o preenchimento das vagas com base tão somente, no parâmetro biológico.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que a palavra “sexo” contida no dispositivo legal deveria ser compreendida como “gênero”, conferindo uma ampla interpretação com intuito de resguardar a diversidade, a subjetividade do indivíduo e o pluralismo como forma de dar efetividade aos direitos fundamentais garantidos pelo Constituição Federal. Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal (STF) também se manifestou sobre a matéria na ADI nº4275 e decidiu que candidatas transexuais fossem contabilizadas no percentual feminino para fins de atender a porcentagem de no mínimo 30% de um dos gêneros exigido dos partidos.

Apesar de toda luta no intuito de ampliar a participação feminina na política, existe uma grande resistência de parte dos dirigentes partidários que ainda não se conscientizaram da importância social e da imposição da lei.

Desse modo, com intuito de burlar a determinação legal que garante que 30% das vagas sejam preenchidas por um dos gêneros, alguns partidos passaram a fraudar o processo eleitoral lançando candidatas somente com intuito de compor as chapas, sem, contudo, participarem efetivamente das eleições. 

Essa fraude fica mais visível após o resultado do pleito eleitoral, e se configura por meio do conjunto de algumas circunstâncias, por exemplo, votação zerada, baixa movimentação de recursos financeiros de campanha, diversos parentes candidatos, ausência de material de campanha e até candidata que faz campanha para outro candidato.

São inúmeras formas de demonstrar a fraude as cotas de gênero que se comprovada implica na anulação de todos os votos concedidos ao partido e, consequentemente, perda dos mandatos dos candidatos eleitos pela agremiação e a inelegibilidade das candidatas que compactuaram com a fraude. O TSE vem sinalizando a criar uma súmula com objetivo de identificar esse tipo de conduta, o que facilita a fiscalização e punição.

Mesmo com toda essa luta, e considerando que as mulheres correspondem a 53% do eleitorado no Brasil, sua participação na vida pública ainda é muito pequena. Apesar das diversas campanhas de fomento e destinação de recursos públicos para as candidaturas femininas o panorama atual, encontra-se muito abaixo do que poderíamos conceituar como um nível de participação satisfatório, dados do TSE, que apontam as mulheres ocupam somente 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados, 12% no Senado Federal, 17% das vagas nas Câmaras Municipais e comandam 12% das prefeituras no país.

As cotas de gênero, não obstante, ser um avanço no nosso sistema eleitoral, teve um tímido resultado ao longo do tempo, o que demonstra a necessidade do constante debate e aperfeiçoamento do instituto, com vistas a uma maior e mais significativa mudança na nossa triste realidade político-social no que se refere às mulheres comandando os esferas de poder. 

Portanto, a participação das mulheres na política não é apenas um direito, mas uma necessidade urgente para a construção de uma nação verdadeiramente democrática e justa.

Romper as barreiras que limitam o acesso das mulheres aos espaços de poder, é essencial para criar uma sociedade onde todas as vozes importam e sejam ouvidas. À medida que continuamos a trabalhar em direção a uma representação política equitativa, é fundamental reconhecer que a presença e influência das mulheres na política é vital para a construção de uma democracia mais forte, inclusiva e progressista.

Por Wesley Araújo, advogado especialista em Direito Eleitoral

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